terça-feira, 2 de junho de 2020

Quer trabalhar com sustentabilidade, mas não tem experiência?

Esse texto tem três versões aqui no blog e acho importante, de tempos em tempos, trazer novamente a pauta para as pessoas. A primeira versão, que hitou pra caramba, foi escrita em 2010. Três anos depois revisitei o texto e em 2017 dei uma modernizada nele. Acho que faz sentido a essência dele voltar em 2020, principalmente porque a pandemia e quarentena estão fazendo com que muitas pessoas revejam seus valores e o que querem para a vida a partir de um novo normal que se inicia.

Pois bem, quem me conhece ou quem me acompanha por aqui, pelas redes sociais, pelo podcast e pelos grupos de whatsAPP sabe que tenho uma visão bem peculiar de sustentabilidade. Há mais de dez anos, por exemplo, falo que ela não é uma área que começa e termina em si; ela é integradora e trabalha dando suporte aos demais processos da empresa. E foi com essa visão, inclusive, que nasceu a minha primeira empresa, a Agência de Sustentabilidade, uma consultoria focada em desenvolver projetos de sustentabilidade no nível de processos.

Vira e mexe, ainda hoje, recebo mensagem de pessoas me perguntando como fazer para trabalhar com sustentabilidade corporativa. Em quase onze anos de existência desse blog, digo que uns 60% dos e-mails que respondi são de pessoas que entram em contato comigo foi sobre isso. Muitas reclamam que para entrar na área as empresas exigem experiência, mesmo quando ela está sendo formada e mesmo quando a área, apesar do nome, não faz sustentabilidade.

Na primeira temporada do SustentaíCast, acho que o quarto ou quinto episódio, falo exatamente sobre o perfil da área de sustentabilidade, o escopo de trabalho, as competências comportamentais e profissionais que o profissional da área deve ter, as “melhores” formações... Fica a dica para quem ainda não ouviu!

Acontece que mesmo tendo a área em um monte de empresa, ela costuma ser muito hostil a quem não está na patota. Ainda mais em tempos de crise, já que é um dos setores que mais sofrem cortes (falo sobre isso neste podcast). Há, ainda, um fator, digamos, agravante, pois, geralmente, a área costuma ser muito enxuta, já que nem sempre as lideranças da empresa enxergam o valor da sustentabilidade.

Ou seja, poucas vagas que, quando aparecem, ou são ocupadas pelas mesmas pessoas de sempre, ou batem de frente com a falta de profissionais qualificados (e é uma dificuldade real que presencio aos montes, por mais que estejamos falando de uma área que caiu nas graças das empresas há mais de dez anos).

Uma vez, conversando com uma pessoa que fazia um MBA voltado para sustentabilidade, mas trabalhava em algo completamente diferente, falei como ela poderia se tornar interessante para a área. Porque a primeira coisa que aviso é que pós-graduação não vai habilitar ninguém a ser um profissional de sustentabilidade e nem vai ser garantia de emprego. Isso, inclusive, foi uma das coisas que mais me irritou quando fiz um MBA na área, já que a maioria presente estava ali porque queria um emprego e não contribuir com troca de conhecimento.

Julianna, já entendi o cenário, mas gosto de sustentabilidade, quero trabalhar com isso, quero encontrar um propósito na minha vida, mas a maldita falta de experiência tá pegando. O que isso significa? Que meu mundo acabou, que estou condenado a ficar numa área que não quero mais, insatisfeito no trabalho, amargurado com a vida e candidato a uma úlcera?

Calma, jovem, não se desespere.

A principal dica que dou é fazer um trabalho voluntário que proporcione experiência em sustentabilidade. Neste caso, quando falo de voluntariado, não digo ir para uma creche limpar bumbum de criança. Falo da possibilidade de se fazer um voluntariado sustentável e como transformar uma ação meramente filantrópica em algo mais estratégico, que seja bom para organização e bom para você.

Isso pode acontecer de duas formas: seja participando de programas de voluntariado da sua empresa (apesar de ser o tipo de programa que gera muita reputação, ainda mais em tempos de pandemia, realmente não sei como está funcionando agora), seja você mesmo procurando uma instituição do terceiro setor para propor soluções sustentáveis para ela.

Julianna, mas o que seria propor ações sustentáveis num trabalho voluntário?

Por exemplo, já pensou em reestruturar o processo de captação ou criar uma campanha de arrecadação para uma instituição do terceiro setor? Que tal ajudar uma entidade na melhoria dos processos de forma a torna-los ambientalmente corretos? Ou então ser o interlocutor da organização com empresas que impactam a região? Ou cuidar das mídias sociais, gerando conteúdo de sustentabilidade e medindo o impacto do seu trabalho no resultado final da ONG?

Outra sugestão que também dou é aplicar a sustentabilidade na própria área em que você já trabalha. Tá no financeiro? Procure mecanismos ou proponha projetos que envolvam finanças sustentáveis. É do RH? Tem um mundo de ações para se fazer no engajamento interno, em treinamento, recrutamento... Trabalha no marketing, na comunicação, em supply, em IT? Dedique algumas horas da sua vida a como transformar o seu setor em uma área sustentável.

Inclusive, a segunda temporada do Sustentaí no Youtube foi, justamente, sobre como podemos aplicar a sustentabilidade na nossa profissão sem ser da área de sustentabilidade. Teve jornalismo, marketing, economia, arquitetura, gastronomia, gerenciamento de projetos, publicidade, comunicação interna, engenharia química, design, engenharia de produção, moda... Não sei se esqueci alguma. Mas se esqueci, é só procurar na playlist.

Então galera, se vocês realmente querem trabalhar na área de sustentabilidade, mas estão com dificuldades, sugiro seguir algum desses caminhos. Façam isso, gerem resultados e depois coloquem no currículo. Quando essa loucura passar, porque ela vai passar, tenho certeza que terão uma baita história para contar de suas experiências com sustentabilidade.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

O que o corona vírus tem a nos ensinar sobre sustentabilidade para pessoas e empresas?


Já escrevi há pouco tempo sobre o covid aqui e, inclusive, a pergunta desse post foi mais ou menos o tema do primeiro episódio do SustentaíCast, que começou exatamente na semana em que o governador do Rio de Janeiro instaurou a quarentena, em meados de março. E apesar de já ser um tema relativamente batido, dado que é o que mais vem sendo discutido pelos profissionais de sustentabilidade nos dois últimos meses, sempre procuro trazer uma visão diferente.

Uma das primeiras questões levantadas, e que ninguém ainda tem a resposta, é se a disseminação do corona vírus é ou não fruto de desequilíbrios ambientais causados pelo homem. Simplesmente não sabemos. Outros pontos foram a redução das emissões de gases do efeito estufa, redução de poluição do ar, mares e rios, sem contar redução de atividades industriais intensivas em energia e matéria prima.

Obviamente tudo isso é muito bom, mas, paradoxalmente, sabemos que parar o mundo por muito tempo é absolutamente insustentável. Mas mesmo voltando, a verdade é que quando a pandemia acabar, a economia não será a mesma de meses atrás.

Para entenderem onde quero chegar, vou fazer um resgate de tempo. Eu comecei a palestrar em 2010, inclusive por causa do blog. Desde 2013, pelo menos, eu falo em minhas palestras que a gente ainda vivia no modelo do século XX, e que já tinha passado da hora de virarmos a chave para o século XXI. E apesar de não ter respostas ainda, acredito que essa pandemia vai fazer em alguns meses o que a gente vem postergando há 20 anos.

Eu, particularmente, consigo enxergar muitos legados que podem ser deixados pelo corona vírus para o planeta, para as empresas, para as pessoas. A grande dúvida é se serão mantidos após o fim da pandemia ou se o mundo forçará a ser tudo como antes. Espero que sejam. Espero muito que sejam.

Do ponto de vista individual, acredito que estamos meio que entendendo que não precisamos de tanta coisa para viver. A fartura do século XX nos acostumou a acreditar que bastava ter para ser. Mas não é bem assim. A necessidade está fazendo com que o consumo de forma geral diminua e as pessoas se deem conta que as relações, essas sim, são fundamentais para o corpo e para a alma.
   
E tiro como exemplo o dilema que a maioria dos influenciadores digitais está passando ultimamente. É uma casta criada no século XXI para avalizar um estilo de vida completamente insustentável que vínhamos carregando há décadas e décadas. Aí eu pergunto, salvo raríssima exceção, o que esses influenciadores tem a nos mostrar em tempos de pandemia? O desejo por um estilo de vida que nem a gente quer mais?

Do ponto de vista corporativo, há o legado de coisas simples, como finalmente estamos aprendendo a trabalhar remotamente e isso acaba por impactar em indicadores ambientai, como redução da necessidade de espaço físico, de transporte de pessoas, do custo intangível da (falta de) mobilidade, da melhora na qualidade de vida. É claro que não estou falando para trabalharmos o tempo inteiro de forma remota. Afinal, somos gente. E gente precisa ver gente, estar com gente. Mas imagina o impacto financeiro, social, ambiental se todas as empresas permitissem que seus funcionários fizessem trabalho remoto 1x por semana?

Além da questão da rotina corporativa, vejo uma outra possibilidade de legado do corona para as empresas e essa para mim é, talvez, a mais importante. As empresas tiveram e estão tendo de se reinventar. E rápido. Independente do tamanho, independente do setor. Desde a cafeteria do bairro que agora só pode fazer delivery, até a empresa de exploração de petróleo que viu o covid antecipar o que estava na iminência de acontecer, que é a ruptura do setor a ponto de o preço do barril ter ficado negativo em abril.

O distanciamento social, a queda no consumo, tão impondo não somente uma reinvenção pura e simples; as empresas estão sendo obrigadas a se desmaterializarem. Acontece que isso está começando a impactar no nível de modelo de negócios.

Uma indústria de bebida, cuja maior parte do faturamento vem da venda de cerveja para bares e restaurantes, não vai conseguir compensar essa perda simplesmente fazendo entrega na casa do cliente. Da mesma forma, que não vamos precisar ter 500 mudas de roupas se a vida vai ser mais indoor e parte do trabalho for feito em home office. Também não vamos mais precisar ter a posse do carro e de muitas outras coisas.

Meus queridos, o mundo mudou e mudou forte. A empresa que não perceber isso e não fizer a correlação de sustentabilidade com toda essa bagunça que está acontecendo, vai bater cabeça nas próximas décadas. Se sobreviver até lá.

E a sua empresa, está preparada para o futuro?



quarta-feira, 6 de maio de 2020

Cinco filmes/documentários de sustentabilidade para assistir na quarentena (NETFLIX)

Galera, seguindo a premissa de recomendar bons conteúdos de sustentabilidade para serem acessados durante a quarentena, hoje indicarei cinco filmes/documentários/série para assistir no Netflix, que é o serviço de streaming que a maioria tem.

De antemão digo que o maravilhoso Catching de Sun, True Cost ou Demain saíram do catálogo. Então, não estranhem suas ausências. Mas se acharem por aí podem assistir porque valem muito a pena. Vamos lá:

Na rota do dinheiro sujo (Dirty money) https://www.netflix.com/br/title/80118100

Essa é uma série muito interessante sobre casos reais que envolvem corrupção. Já está na segunda temporada e dois episódios me chamaram atenção.

Emissões mortais (Hard NOx)

O primeiro episódio da primeira temporada expõe o escândalo que a Volkswagen se envolveu ao manipular os dados das emissões dos seus veículos movidos à diesel, que ficou conhecido como dieselgate.

Point Comfort

Uma fábrica de plástico se instala numa cidade do interior deixando a população satisfeita. Logo a satisfação dá lugar à contaminação por produtos químicos e população doente. Este episódio deixa claro o descaso da empresa (Formosa) com as questões de saúde, segurança e meio ambiente.



Bato sempre na tecla de que a chave para a sustentabilidade está nas pessoas e ela passa, fundamentalmente, pela questão do consumo. Este documentário foca no que é importante para se viver com propósito e traz o depoimento de diversas pessoas a respeito da relação bens materiais x felicidade, em especial o de dois amigos que largaram uma carreira estável e muito bem remunerada para viver com mais satisfação e menos coisas.




Oceanos de plástico (A plastic ocean) https://www.netflix.com/br/title/80164032

Novamente tendo o consumo como pano de fundo, esse documentário mostra como ao não descartarmos corretamente os nossos resíduos, eles vão parar no fundo do mar. Você sabia que bilhões de quilos de plástico são jogados nos oceanos TODOS OS ANOS? E que esse plástico não se decompõe, mas apenas é reduzido a partículas menores? Pois é. Assista.




Indústria americana (American factory) https://www.netflix.com/br/title/81090071

Este documentário, além de ser um bom entretenimento, é interessante para a sustentabilidade se analisarmos do ponto de vista de gestão de stakeholders. Em tempos de globalização, este aspecto torna-se muito importante e vira e mexe é caso de fracasso de uma empresa em determinada região. Descontem, apenas, o “ranço” de pintar os chineses como vilões que comem criancinhas americanas. Afinal, os EUA também não são exemplo de absolutamente nada em relação a isso.


Salvando o capitalismo (Saving capitalism) https://www.netflix.com/br/title/80127558

Não sou contra o capitalismo e, particularmente, acho o socialismo tão idolatrado nos dias de hoje uma bosta. Mas isso não é papo nem para outro post, que dirá para um com dicas de documentários de sustentabilidade. Só que o capitalismo posto em prática no século XX foi outra bosta e quem mais pagou o preço foram o meio ambiente e as pessoas mais pobres. Neste documentário, o ex-secretário do governo Clinton aponta muito didaticamente os problemas do famigerado capitalismo selvagem. Ele não trata de sustentabilidade diretamente, mas mostra como um sistema econômico doente pode contaminar o nosso famoso triple bottom line.



quarta-feira, 22 de abril de 2020

Uma reflexão sobre o marketing sustentável 10 anos depois


Há quase dez anos, mais precisamente no dia 09 de junho de 2010, publiquei um texto que trazia reflexões sobre o marketing sustentável. Se eu escreveria ele novamente hoje? Não daquela forma. E não porque o que eu tenha escrito na época não faça mais sentido hoje, pelo contrário. Apesar de simplório, ele ainda é bastante coerente. Mas o conceito se sofisticou e atualmente eu não usaria a pegada de processos da época.

E para entender essa sofisticação e essa releitura dez anos depois, acho importante mencionar o quanto o conceito de sustentabilidade corporativa foi ganhando robustez ao longo de dez, doze anos e o quanto isso se confunde com o meu próprio entendimento de sustentabilidade. Inclusive já explicitei essa mudança aqui em duas oportunidades.

Em um dos textos, analisei três formas de como as empresas trabalham a sustentabilidade e tratei uma como evolução da outra. No caso era a sustentabilidade começando a partir da responsabilidade social e ambiental, passando para a comunicação e depois por processos. E para aí, haja vista que foi um texto de 2011 e na época falar de processos sustentáveis era o ápice da maravilhosidade.

O texto seguinte, escrito em 2016, já está muito mais alinhado com o que penso atualmente e trata a sustentabilidade por diferentes perspectivas, sendo processos apenas uma dentre as cinco possíveis que eu mencionei na época. Hoje, 2020, eu ainda adicionaria mais uma: a da geração de valor. E é a partir dela que acredito que o marketing melhor se encaixe com a sustentabilidade.

Julianna, se dentro da sustentabilidade, o marketing é melhor utilizado para geração de valor, então o seu processo tem passe livre pra não ser sustentável? Claro que não. O marketing TEM DE ser um processo sustentável. TEM DE ir além da promoção de produtos sustentáveis. TEM DE ir além da comunicação DA sustentabilidade. TEM DE. É que nem a lógica do ecodesign. Não tem de existir ecodesign porque, por princípio, todo design tem de ser sustentável. Aliás, qualquer processo.

O que quero pontuar é que a integração do marketing e da sustentabilidade como processo é pouco. O passo seguinte precisa ser dado. No caso, o passo em direção à geração de valor. E quando falo nesse nível, estou falando de uma empresa que busca virar influenciadora da sustentabilidade. Estou falando de uma visão voltada para relações, ganha-ganha, e do entendimento que as empresas precisam ter para alcançar uma sustentabilidade além da perspectiva da gestão e do lucro.

E o marketing é um recurso super valioso para ajudar a construir essas relações. Ele é fundamental para a questão do consumo responsável, que precisa ser causa para TODA, absolutamente toda empresa. Além disso, seus subprocessos podem funcionar como um elo de confiança entre a empresa e os stakeholders no que diz respeito à sustentabilidade. Sem contar que ele é ultra maxi hiper fundamental para o engajamento, tanto interno, quanto externo.

Hoje, pouquíssimas são as empresas que possuem esse nível de excelência e protagonismo em sustentabilidade. Imagino e espero sinceramente que daqui a alguns anos outras irão surgir. Mas até lá há um caminho a ser percorrido. Nenhuma empresa vira changemaker em sustentabilidade da noite para o dia. E nessa trajetória, vejo o marketing como um grande aliado, apesar dos riscos e da eterna relação de amor e ódio entre ele e a sustentabilidade.


quarta-feira, 15 de abril de 2020

As lições que o corona vírus pode deixar para a sustentabilidade

Sei que já falei sobre corona vírus e sustentabilidade no primeiro episódio do SustentaíCast e sei também que o mundo inteiro basicamente só fala disso. Tipo o que o corona tem a ensinar para a transformação digital, para o RH, para o marketing, etc. O varejo pós corona vírus, o cenário do mercado financeiro com o corona vírus. Enfim, todo mundo está gerando conteúdo sobre qualquer coisa e o corona vírus.

Eu, particularmente, acho isso muito chato. Eu entendo que o mundo está de cabeça para baixo, mas a vida continua. Só que quando a vida se estabilizar, tenho dúvidas se ela vai se normalizar. Porque normalizar parte do pressuposto de voltar ao que era antes. E não creio nenhum pouco que isso irá acontecer.

Quem me conhece ou já foi a alguma palestra minha, me ouviu falar inúmeras vezes que apesar de estarmos em 2020, a verdade é que a gente continua produzindo, consumindo e vivendo pela mesma lógica do século passado. A tecnologia não foi suficiente para mudar a nossa forma de lidar com sustentabilidade e nem com vários outros aspectos críticos da nossa existência.

Na minha humildade opinião, o que em décadas a tecnologia não conseguiu fazer, o corona vírus vai fazer em meses. Entraremos, finalmente, no modo século XXI. Na marra. E já não era hora. Porque a verdade é que o sistema econômico do século XX foi absolutamente insustentável e estava inviável mantê-lo vigente.

Acontece que mesmo sendo um modelo que, claramente, não deu certo, a gente perpetuava até ontem uma lógica de explorar os recursos naturais o máximo que desse, pelo tempo que desse. Somado a isso, tinha também a estratégia de empurrar a uma população que cresce em velocidade exponencial um consumo absolutamente dispensável.

E aí que um tal de corona vírus bateu na nossa porta e do nada passou a impor ao mundo inteiro a necessidade de encontrar novas formas de satisfação que não seja pelo ter. Estamos descobrindo, enfim, que ser feliz adotando um estilo mais minimalista é possível e não é papo de maconheiro ou gente alternativa.

Que fique claro que quando falo de estilo minimalista, nem em sonho estou falando de voto de pobreza. A sustentabilidade, inclusive, nunca pregou isso. E se algum ecochato enche o seu saco dizendo que você não pode fazer um monte de coisas, ele é só isso, um chato. E extremista. Sustentabilidade nunca esteve nos extremos. Pelo contrário, ela é o equilíbrio.

E quando falo desse equilíbrio, de buscar novas formas de satisfação que não seja pelo consumo e que tem como ser feliz adotando uma postura minimalista, estou falando, basicamente, de consumir aquilo que é necessário e focar os sentimentos em experiências e em valores. Acontece que em tempos de pandemia e quarentena, foi exatamente isso que a gente passou a fazer.

Pergunto: tem alguém surtando porque não está podendo comprar o lançamento da semana em uma loja de fast fashion, por exemplo? Quer dizer, até tem como comprar, mas vai usar aonde? Nas lives horrorosas que se disseminaram na mesma velocidade do vírus? Ou na ida ao supermercado, combinando com a máscara de tecido de oncinha?

Acredito, até, que tenha gente surtando por ter o ir e vir limitado, que na verdade será uma nova ordem mundial mesmo com o isolamento sendo reduzido ao longo do tempo. Também imagino muita gente surtando por ter perdido ou por medo de perder o emprego/negócio, assim como também acredito que tenha gente surtando por não saber lidar com a quarentena. Mas será que há um número considerável de pessoas surtadas pela redução do consumo? Acho que não, né?

Acredito que o corona vírus trará um grande ensinamento e que isso será refletido na economia e na sociedade. O novo modelo econômico não será mais o de extrair o que der pelo tempo que for possível e entupir as pessoas com coisas que elas não precisam. A mudança de perspectiva será um grande desafio para as empresas, principalmente as que nasceram no século XX e acham que inovação é fazer transformação digital. Que nada mais é que usar a tecnologia para continuar fazendo as mesmas coisas de sempre.

A economia do século XXI é a economia do conhecimento. A nossa vida será mais desmaterializada, com menos posses e mais direitos de uso. A tecnologia, além de reduzir o tamanho das coisas, nos permitirá estarmos presentes em qualquer espaço. A gente não vai mais comprar produto. Vamos comprar serviços. E com isso as empresas do século passado terão de correr para se reinventar.

Porque elas tiveram 20 anos pra fazer a transição e apostaram que a resiliência faria a corda esticar para, no final das contas, voltar para o que era antes. Não vai ser mais assim. A corda arrebentou e o mundo entrou em modo de disrupção. E que bom que esse momento chegou. A sustentabilidade agradece.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

10 TEDs de sustentabilidade para assistir durante a quarentena

Em tempos de quarentena, vejo várias pessoas que podem se dar ao luxo de ficar em casa buscando formas de passar o tempo com qualidade. Pensando nisso, fiz uma lista com 10 TEDs de sustentabilidade que eu curto e resolvi compartilhar.

Não é um top 10 porque nunca parei para pensar nos que eu mais gosto, nem uma lista por ordem de preferência, foram simplesmente 10 TEDs que eu vi, gostei e recomendo.

Todos os vídeos possuem legenda em português. É só configurar.


Winning the oil endgame

Duas palavrinhas já seriam suficientes para eu recomendar esse TED: Amory Lovins. Meu físico amado, autor de dois dos três melhores livros desustentabilidade que eu li, autor do artigo escrito em 1976 sobre o backcasting, o método de análise de cenários que é o ideal para a sustentabilidade corporativa, e um papa da energia limpa. Assistam, ouçam e leiam qualquer coisa desse cara. Vale muito a pena.



Biomimicry in action

Se você pensa em sustentabilidade pela perspectiva de inovação de produtos, a biomimética é um dos, senão o principal caminho. E a Janine Benyus é A pessoa, quando o assunto é esse. Para ela e para qualquer especialista no tema, ninguém precisa reinventar a roda, já que a natureza dá o rumo para a inovação. Exemplos não faltam, como os painéis fotovoltaicos baseado nas folhas, por exemplo, ou a lâmpada de LED inspirada nos vaga-lumes.



The complex path to sustainability

Esse é um TED bem legal e corrobora o que eu sempre falo de que o calcanhar de Aquiles e uma das maiores dificuldades da sustentabilidade corporativa está, justamente, na sua cadeia de fornecedores.



The business logic of sustainability

Ray Anderson, enquanto vivo, foi um dos maiores expoentes da sustentabilidade corporativa. Ele, dono de uma indústria de carpete, mergulhou na sustentabilidade após ser provocado por Amory Lovins e viu seus lucros dobrarem e suas vendas explodirem quando ela, a sustentabilidade, passou a ser condição primária para o seu negócio.



The investment logic for sustainability

Todo mundo aparentemente entende a importância da sustentabilidade em várias instâncias da sociedade. Mas quais grupos, hoje, poderiam realmente fazer a diferença no sentido de mudar a forma como fazemos as coisas? Certamente os investidores é um deles. Este TED mostra o porquê de apenas dados financeiros não serem suficientes numa tomada de decisão de investimento, sendo, também, necessário observar as questões ambientais, sociais e de governança.



Put a value on nature!

O Pavan Sukhdev é um economista indiano e autor de um dos melhores livros de sustentabilidade que já li, o Corporação 2020. Neste TED ele aponta que usamos materiais extraídos do planeta gratuitamente e por isso não temos o cuidado necessário com a natureza. Então ele faz a provocação: e se tivéssemos de pagar, será que teríamos mais responsabilidade com o consumo da água, das árvores e, até mesmo, do ar?



The state of the climate — and what we might do about it

O Nicholas Stern é um economista que fala de sustentabilidade. Isso, por si só, já tem a minha profunda admiração, haja vista que a maioria dos seus colegas segue a linha ortodoxa e encara a questão ambiental como inimiga do desenvolvimento econômico. Mas ele é mais que isso. É um dos maiores expoentes da economia de baixo carbono. E isso, por si só, já tem a minha profunda admiração em dobro.



3 creative ways to fix fashion's waste problem

Em relação à sustentabilidade, a moda é uma das piores cadeias produtivas que tem. Ela apresenta problemas com materiais, já que uma de suas principais matérias primas é o algodão, uma monocultura lotada de agrotóxico, sua força de trabalho, não raro, é altamente degradante, sem contar, o problema abordado neste TED, que são as milhões de peças de roupas que depois de produzidas vão parar em aterros sanitários todos os anos.



5 transformational policies for a prosperous and sustainable world

Você já parou para pensar em como será o futuro daqui a 30, 40 anos? E como construir esse futuro sem destruir o planeta, coisa que fazemos há 300 anos? Eu sou muito a favor do protagonismo das empresas na liderança para a sustentabilidade, mas tenho plena consciência de que o desenvolvimento sustentável passa, antes, por políticas públicas que os países serão, cada vez mais, obrigados a estabelecerem. É sobre 5 possíveis politicas globais e transformacionais que trata este TED.



How to get serious about diversity and inclusion in the workplace

Apesar de há uns dois anos ter virado modinha e toda empresa ter criado um programa de diversidade/inclusão para chamar de seu, a verdade é que tratar do tema não é tão simples como parece. Porque mais do que aumentar a estatística de contratar pessoas “diversas”, o passo 2 é o que conta de verdade. Porque ele vai mexer com o comportamento das pessoas que sempre estiveram lá e tem crenças, valores e até mesmo o tal do racismo estrutural, aquele que a gente faz uso diário e nem se dá conta.


E aí, o que acharam?



terça-feira, 31 de março de 2020

A importância da tecnologia para as cidades sustentáveis

Há alguns anos um conceito bem interessante vem ganhando destaque quando o assunto é planejamento urbano e construção de cidades: as smart cities. Mas o que são as chamadas cidades inteligentes? De acordo com a Comissão Euopeia, são lugares onde redes e serviços tradicionais se tornam mais eficientes a partir do uso de tecnologias digitais e de comunicação, melhorando a qualidade de vida das pessoas. Resumindo, é a presença da tecnologia no funcionamento rotineiro de uma cidade.

Agora vamos dar dois passos atrás e contextualizar o que o mundo projeta como cidade daqui a alguns anos. De acordo com a ONU, o mundo caminhará para quase 10 bilhões de pessoas em 2050. Somado a isso, estima-se que cerca de 6 bilhões dessas pessoas estarão morando em áreas urbanizadas.

Além de um mundo lotado de gente, as projeções globais de urbanização para os próximos 30 anos* apontam para o aumento no número de megalópoles, que são as megas cidades. Hoje temos algumas gigantescas, como, por exemplo, Tóquio, Nova Déli, Shangai, Cidade do México e São Paulo, com mais de 20 milhões de pessoas vivendo no entorno da região. Além delas há outras, como Cairo, Mumbai e Pequim, se aproximando dessa marca.

Para daqui a 10 anos, as Nações Unidas apontam a existência de 43 mega cidades com mais de 10 milhões de pessoas, a maioria esmagadora em países em desenvolvimento. Isso sem contar as regiões que rapidamente passarão pelo processo de urbanização e terão, num piscar de olhos, mais de um milhão de habitantes.

Vocês conseguem imaginar não só a gestão, mas, principalmente, a operação dessas cidades sem o uso da tecnologia? Imagina a infraestrutura necessária para dar conta de tanta gente circulando em espaços cada vez mais escassos e demandando cada vez mais de subsistemas como água, energia, transporte, gestão de resíduos e afins?

Mas aí pergunto a vocês, o que a sustentabilidade tem a ver com as smart cities?

Peguemos novamente o conceito de cidades inteligentes lá da Comissão Europeia: “lugares onde redes e serviços tradicionais se tornam mais eficientes a partir do uso de tecnologias”.

A primeira questão que a gente tem de pensar quando fala do aumento de regiões urbanizadas e, principalmente, do aumento populacional nessas regiões, é que o espaço não vai aumentar. Ele é limitado e por isso terá de ser utilizado com a máxima verticalidade e eficiência. A segunda questão é que alguns recursos naturais também são limitados, como a água, por exemplo, e até mesmo a energia, que depende do smart grid (redes inteligentes) para tornar viável a micro e mini geração limpa e renovável.

Assim, é completamente impensável uma cidade dos próximos 30 anos sem a presença da tecnologia. E quando colocamos a tecnologia como ferramenta para redes e serviços mais eficientes, estamos naturalmente falando de sustentabilidade. Imagina o quanto de água não é desperdiçada diariamente com vazamentos pelas cidades, por exemplo? O quão mais rápida pode ser a resposta a esse desperdício se houver a instalação de sensores nos canos?

Será que poderemos abrir mão da energia vindo das termos a partir do momento em que a tecnologia resolver o problema da intermitência das renováveis? Ou então quantos prejuízos podem ser evitados com o uso da tecnologia para a prevenção de enchentes ou impedimento de alagamentos?

Somado a isso, tem ainda, para mim, o principal desafio do urbanismo nas próximas décadas e que é o coração das cidades sustentáveis: mobilidade. Como dar acesso e fazer circular de forma eficiente uma cidade com 20, 30 milhões de pessoas? Como reduzir as emissões de CO2 e a poluição gerada pelo transporte nas cidades? Como melhorar a qualidade de vida das pessoas que precisam se deslocar diariamente por muitos quilômetros por transporte público? Como reduzir o tempo das pessoas no trânsito?

Do ponto de vista de planejamento de transporte, a gente tem de pensar que hoje, em grandes cidades, transportes de média capacidade (ônibus, fundamentalmente) já não dá conta. Transporte de alta capacidade, como metrô e trem, são as principais alternativas, mas são obras caras e lentas. VLTs são mais rápidas e mais baratas, mas o processo de construção impacta absurdamente as regiões com obras. Transporte individual motorizado, ainda que por meio de carros elétricos, só são opção caso a proposta seja ecoengarrafamentos.

Nesse contexto, refaço a pergunta-chave: qual a melhor solução para a mobilidade sustentável em cidades cada vez mais populosas e com menos espaços disponíveis? Para mim, a nada expert em urbanismo, engenharia civil e smart grid, seria um pool de ações que envolveriam integração de transporte público com transporte não motorizado, redesenho de bairros, criação de novas centralidades, desenho de novos fluxos para picos de circulação e muito, muito planejamento urbano.

Em muitas ações de mobilidade urbana sustentável a tecnologia bit byte será fundamental. Em outras, basta o uso da tecnologia social e visão estratégica. E vocês, o que acham? Como as smart cities podem auxiliar a sustentabilidade nas cidades e vice-versa?

Para quem ainda não sabe, no último dia 19/03 lançamos o SustentaíCast, um podcast semanal sobre sustentabilidade nas empresas. Vai ao ar todas às quintas à noite e já tem dois episódios disponíveis: https://linktr.ee/sustentaicast

 * Dados de 2018.